LIVRO DIDÁTICO:
CONTRA OU A FAVOR?
Magda Soares, doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), estuda há anos a importância do livro didático no
dia-a-dia do magistério. Com mais de 24 obras publicadas sobre
letramento, linguagem, leitura, escrita e alfabetização, defende o livro
didático na sala de aula, rebatendo enfaticamente as críticas que fazem
ao seu uso. Afirma que trata-se de um erro histórico, já que o livro
persistiu ao longo dos séculos, sempre presente em todas as situações
formais de ensino: "Professores e alunos, avaliadores e críticos que
manipulam os livros didáticos nem sempre se dão conta de que eles são o
resultado da longa história da escola e do ensino". O que não é
aconselhável é usá-lo como uma imposição, uma prescrição que deva ser
seguida passo a passo. "O livro didático é necessário e eficaz, mas se
deixar dirigir, exclusivamente, por ele, é renunciar à liberdade que o
professor tem, pode e deve ter", afirma.
Embora receba várias críticas, o livro didático continua sendo um importante instrumento de trabalho. Por quê?
Magda Soares - Quatro questões estão presentes na pergunta,
questões fundamentais em uma reflexão sobre livro didático: primeiro, ao
usar o verbo "continuar", a pergunta revela o reconhecimento da
permanência do livro didático ao longo do tempo; segundo, a pergunta
caracteriza bem o livro didático, chamando-o de "instrumento de
trabalho"; terceiro, a pergunta qualifica esse instrumento de trabalho
que é o livro didático como "importante", caracterização com que
concordo plenamente; finalmente, a pergunta menciona as "varias
críticas" que o livro didático recebe, críticas que é necessário
discutir e rebater. Acho que seria interessante comentar essas
questões.
Quais são então as críticas feitas aos livros didáticos?
Magda Soares - As críticas que atualmente são feitas ao livro
didático chegam a defender sua rejeição, sua eliminação das salas de
aula, como se ele fosse um material didático recém-inventado, de
existência ainda indefinida e perigosa, criado para oprimir e submeter
os professores e enriquecer autores e editores. Um erro histórico,
porque o livro didático surgiu já na Grécia Antiga - Platão aconselhava o
uso de livros de leitura que apresentassem uma seleção do que havia de
melhor na cultura grega; a partir daí, o livro didático persistiu ao
longo dos séculos, sempre presente em todas as sociedades e em todas as
situações formais de ensino. Um exemplo: "Os Elementos de Geometria", de
Euclides, escrito em 300 a.C., circulou desde então e por mais de vinte
séculos como manual escolar; outros exemplos são os livros religiosos,
abecedários, gramáticas, livros de leitura que povoaram as escolas por
meio dos séculos. Ao longo da história, o ensino sempre se vinculou
indissociavelmente a um livro "escolar", fosse ele livro "utilizado"
para ensinar e aprender, fosse livro propositadamente "feito" para
ensinar e aprender. Professores e alunos, avaliadores e críticos que,
hoje, manipulam tão tranqüilamente os livros didáticos nem sempre se dão
conta de que eles são o resultado de uma longa história, na verdade, da
longa história da escola e do ensino.
Este vínculo do ensino com o livro didático limita o trabalho do professor?
Magda Soares - Uma das crítica feitas ao livro didático - e aqui
continuo a rebater essas críticas - é que ele tira a autonomia e
liberdade do professor para buscar ou criar, ele mesmo, o material e as
atividades com os quais desenvolve o processo de ensino e de
aprendizagem. Um dos pontos falhos dessa crítica é que ela não
considera, eu até diria "não respeita", as condições de trabalho que são
dadas ao professor no Brasil, hoje. Outro ponto falho é que não é
propriamente o livro didático que tira a autonomia e liberdade do
professor. O professor que se deixa dirigir exclusivamente pelo livro
didático está renunciando autonomia e à liberdade que tem, que pode ter e
que deve ter. Essa autonomia e liberdade estão garantidas quando o
professor usa o livro didático apenas como um instrumento de trabalho,
lançando mão dos textos e das atividades que o livro propõe como uma
facilitação de seu trabalho: alguém - o autor ou os autores do livro
didático - com mais tempo, mais vagar e quase sempre mais experiência,
oferece a ele suporte para a realização de
sua tarefa - selecionou textos adequados, informações necessárias,
atividades apropriadas, o que exige busca, pesquisa, reflexão, coisas
para as quais o professor dificilmente teria tempo ou condições.
Qual o motivo da permanência do livro didático na escola?
Magda Soares - Apesar das grandes mudanças que a escola tem
experimentado ao longo do tempo, uma característica ela nunca perdeu,
característica que é a sua própria essência: na escola, ações e tarefas
são ordenadas e hierarquizadas, alunos são distribuídos em grupos
organizados por determinados critérios - o ciclo, a série, a turma, o
tempo é dividido e controlado, o trabalho obedece a determinadas regras e
rituais e é avaliado; sobretudo, na escola, são ensinados e aprendidos
conhecimentos, práticas sociais, habilidades e competências,
selecionados no amplo campo da cultura, hierarquizados e seqüenciados.
Currículos, programas, materiais didáticos representam estratégias
sociais e educacionais para concretizar e operacionalizar essa seleção,
hierarquização e seqüenciação. Nesse sentido, o livro didático foi
criado, e isso aconteceu antes mesmo de serem estabelecidos programas e
currículos mínimos, como instrumento para garantir a aquisição dos
saberes escolares, isto é, daqueles saberes e competências considerados
indispensáveis para a inserção das novas gerações na sociedade, aqueles
saberes que não é permitido a ninguém ignorar. Além disso, ele fornece
ao professor textos e propostas de atividades que viabilizam a sua ação
docente, o que é particularmente importante hoje, no Brasil, por causa
das condições atuais de trabalho dos professores que, para sobreviver,
têm ou de se ocupar com aulas em dois e às vezes até três turnos, ou de
ter uma outra atividade, paralela à do magistério.
LIVRO DIDÁTICO:
CONTRA OU A FAVOR?
Magda Soares, doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), estuda há anos a importância do livro didático no
dia-a-dia do magistério. Com mais de 24 obras publicadas sobre
letramento, linguagem, leitura, escrita e alfabetização, defende o livro
didático na sala de aula, rebatendo enfaticamente as críticas que fazem
ao seu uso. Afirma que trata-se de um erro histórico, já que o livro
persistiu ao longo dos séculos, sempre presente em todas as situações
formais de ensino: "Professores e alunos, avaliadores e críticos que
manipulam os livros didáticos nem sempre se dão conta de que eles são o
resultado da longa história da escola e do ensino". O que não é
aconselhável é usá-lo como uma imposição, uma prescrição que deva ser
seguida passo a passo. "O livro didático é necessário e eficaz, mas se
deixar dirigir, exclusivamente, por ele, é renunciar à liberdade que o
professor tem, pode e deve ter", afirma.
Embora receba várias críticas, o livro didático continua sendo um importante instrumento de trabalho. Por quê?
Magda Soares - Quatro questões estão presentes na pergunta,
questões fundamentais em uma reflexão sobre livro didático: primeiro, ao
usar o verbo "continuar", a pergunta revela o reconhecimento da
permanência do livro didático ao longo do tempo; segundo, a pergunta
caracteriza bem o livro didático, chamando-o de "instrumento de
trabalho"; terceiro, a pergunta qualifica esse instrumento de trabalho
que é o livro didático como "importante", caracterização com que
concordo plenamente; finalmente, a pergunta menciona as "varias
críticas" que o livro didático recebe, críticas que é necessário
discutir e rebater. Acho que seria interessante comentar essas
questões.
Quais são então as críticas feitas aos livros didáticos?
Magda Soares - As críticas que atualmente são feitas ao livro
didático chegam a defender sua rejeição, sua eliminação das salas de
aula, como se ele fosse um material didático recém-inventado, de
existência ainda indefinida e perigosa, criado para oprimir e submeter
os professores e enriquecer autores e editores. Um erro histórico,
porque o livro didático surgiu já na Grécia Antiga - Platão aconselhava o
uso de livros de leitura que apresentassem uma seleção do que havia de
melhor na cultura grega; a partir daí, o livro didático persistiu ao
longo dos séculos, sempre presente em todas as sociedades e em todas as
situações formais de ensino. Um exemplo: "Os Elementos de Geometria", de
Euclides, escrito em 300 a.C., circulou desde então e por mais de vinte
séculos como manual escolar; outros exemplos são os livros religiosos,
abecedários, gramáticas, livros de leitura que povoaram as escolas por
meio dos séculos. Ao longo da história, o ensino sempre se vinculou
indissociavelmente a um livro "escolar", fosse ele livro "utilizado"
para ensinar e aprender, fosse livro propositadamente "feito" para
ensinar e aprender. Professores e alunos, avaliadores e críticos que,
hoje, manipulam tão tranqüilamente os livros didáticos nem sempre se dão
conta de que eles são o resultado de uma longa história, na verdade, da
longa história da escola e do ensino.
Este vínculo do ensino com o livro didático limita o trabalho do professor?
Magda Soares - Uma das crítica feitas ao livro didático - e aqui
continuo a rebater essas críticas - é que ele tira a autonomia e
liberdade do professor para buscar ou criar, ele mesmo, o material e as
atividades com os quais desenvolve o processo de ensino e de
aprendizagem. Um dos pontos falhos dessa crítica é que ela não
considera, eu até diria "não respeita", as condições de trabalho que são
dadas ao professor no Brasil, hoje. Outro ponto falho é que não é
propriamente o livro didático que tira a autonomia e liberdade do
professor. O professor que se deixa dirigir exclusivamente pelo livro
didático está renunciando autonomia e à liberdade que tem, que pode ter e
que deve ter. Essa autonomia e liberdade estão garantidas quando o
professor usa o livro didático apenas como um instrumento de trabalho,
lançando mão dos textos e das atividades que o livro propõe como uma
facilitação de seu trabalho: alguém - o autor ou os autores do livro
didático - com mais tempo, mais vagar e quase sempre mais experiência,
oferece a ele suporte para a realização de
sua tarefa - selecionou textos adequados, informações necessárias,
atividades apropriadas, o que exige busca, pesquisa, reflexão, coisas
para as quais o professor dificilmente teria tempo ou condições.
Qual o motivo da permanência do livro didático na escola?
Magda Soares - Apesar das grandes mudanças que a escola tem
experimentado ao longo do tempo, uma característica ela nunca perdeu,
característica que é a sua própria essência: na escola, ações e tarefas
são ordenadas e hierarquizadas, alunos são distribuídos em grupos
organizados por determinados critérios - o ciclo, a série, a turma, o
tempo é dividido e controlado, o trabalho obedece a determinadas regras e
rituais e é avaliado; sobretudo, na escola, são ensinados e aprendidos
conhecimentos, práticas sociais, habilidades e competências,
selecionados no amplo campo da cultura, hierarquizados e seqüenciados.
Currículos, programas, materiais didáticos representam estratégias
sociais e educacionais para concretizar e operacionalizar essa seleção,
hierarquização e seqüenciação. Nesse sentido, o livro didático foi
criado, e isso aconteceu antes mesmo de serem estabelecidos programas e
currículos mínimos, como instrumento para garantir a aquisição dos
saberes escolares, isto é, daqueles saberes e competências considerados
indispensáveis para a inserção das novas gerações na sociedade, aqueles
saberes que não é permitido a ninguém ignorar. Além disso, ele fornece
ao professor textos e propostas de atividades que viabilizam a sua ação
docente, o que é particularmente importante hoje, no Brasil, por causa
das condições atuais de trabalho dos professores que, para sobreviver,
têm ou de se ocupar com aulas em dois e às vezes até três turnos, ou de
ter uma outra atividade, paralela à do magistério.
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