"Não precisamos de tecnologias incríveis, mas de professores motivados"
Anthony Salcito, VP de Educação Global da Microsoft, defende que é preciso celebrar papel do professor diante das transformações digitais.
Essa é a quarta ou quinta de vez que Anthony Salcito visita o Brasil. Ele não tem lá muita certeza, já que todos os anos seu trabalho o leva a conhecer escolas de até quarenta países. À frente da divisão global de educação da Microsoft, Salcito é o responsável pelos projetos da companhia no setor, que incluem o uso do jogo Minecraft para ensinar disciplinas tradicionais na escola até um recente programa de tradução (em português) para professores. Mais do que produtos em si, o executivo gosta de discutir estratégia. Para ele, o setor hoje vive um dilema: ao mesmo tempo em que as escolas sentem a pressão por mudar a forma como ensinam, precisam aprender a maneira mais eficaz de "abraçar" a tecnologia na sala de aula.
Antes de se tornar VP em 2009, Salcito foi gerente geral de educação nos Estados Unidos, ajudando a lançar os programas educacionais que lutavam contra a exclusão digital do país. Também foi o responsável por criar a Microsoft School of the Future – uma parceria com a School District of Philadeplhia que visa ensinar as habilidades - tecnológicas e comportamentais - necessárias para o futuro do trabalho. No dia a dia de viagens, conversa gestores de escolas, estuda novas tecnologias, conhece professores como Richard, o ganês que ficou famoso nas redes sociais após uma foto de sua aula ser divulgada. Sem recursos ou computadores, Richard escreveu na lousa o Office para mostrar aos alunos como é um Word.
Antes de falar sobre gamification ou realidade virtual, Anthony defende que o que faz a educação ser boa - e o aprendizado eficaz - é mesmo o professor. É ele quem vai conseguir entender o papel da tecnologia, motivar alunos que já chegam às salas sem "nenhuma certeza de um futuro brilhante" ou entender quais são as habilidades necessárias para o futuro dos jovens. É ele quem também, por outro lado, precisa mudar a forma de ensinar por meio de "capítulos". E é ele quem precisa ser celebrado - para conseguir errar, criar e, assim, inovar. "Os professores são agora mais incríveis do que nunca. A oportunidade para eles inovarem - com a tecnologia - no aprendizado é muito maior agora", disse. Em entrevista, o executivo analisa o uso da tecnologia no setor, de que forma a educação pode ser transformada e como o Brasil está frente aos desafios:
Em que estágio da educação estamos hoje?
No Brasil, grande parte da mudança já foi realizada. Os estudantes já se veem diferentes, fazem conexão entre o mundo digital e físico de forma natural, usam tanto um celular quanto um livro para aprender, colaboram entre si de forma online. O aprendizado já está muito além da sala de aula. Por outro lado, o sistema educacional do Brasil, assim como de outros países, precisa reconhecer que a forma de aprender mudou e que o local de trabalho para o qual estamos preparando nossos alunos mudou. É preciso abraçar essa oportunidade de mudança. E aí o erro que vejo é que o sistema educacional sente a pressão por mudar, até quer abraçar a mudança, mas pensa: a tecnologia é que vai catalisar todas essas mudanças. “Vamos comprar um monte de tecnologia então.” Mas, muitas vezes, as escolas perdem a mão nisso.
Por que não é só uma questão de comprar tecnologia?
A forma como nós compartilhamos ideias e conhecimentos mudou e é aí que o sistema educacional precisa se adaptar. A questão toda é como criar novas experiências na sala de aula. Em países como o Brasil essa mudança vira algo negativo nas escolas, cria uma pressão em cima dos professores, eles se sentem desconfortáveis, sentem que seu papel diminuiu ou que a tecnologia ameaça seus valores e, frequentemente, seu trabalho. Mas o que aprendemos é o oposto. Os professores são agora mais incríveis do que nunca. Antes, o trabalho deles era ensinar uma lição de um capítulo de um livro didático, transmitir o conteúdo do livro para o cérebro dos alunos. Agora, a oportunidade para eles inovarem no aprendizado é muito maior. Eles podem focar no desenvolvimento das habilidades dos alunos – porque o conteúdo em si já está disponível no celular. É por estas razões que precisamos, em qualquer país, celebrar o professor, mostrar aqueles que estão buscando ensinar com novas metodologias. Se considerarmos que a educação é o motor para a prosperidade econômica, os professores são o combustível deste motor. E precisamos garantir que colocamos o melhor combustível.
De quem é o papel treinar os professores para eles inovarem e aplicarem novas metodologias?
A Microsoft já treinou mais de 10 milhões de professores na última década, online e presencial, inclusive no Brasil. Mas de forma geral, é um comprometimento que toda escola deve ter e, para isto, precisamos de bons profissionais na direção delas. De gente que estimule uma cultura onde o professor não tenha medo de errar, que esteja aberta a novas ideias, que celebre as conquistas e mudanças. A realidade é que nós não precisamos de tecnologias incríveis, nós precisamos de professores animados em inspirar estudantes e que os deixem confortáveis em usar as tecnologias. É preciso criar esse novo ambiente de aprendizado.
Quais são as habilidades que os professores precisam ensinar aos alunos?
Depois de muito tempo focado em desenvolver leitura, redação e aritmética dos alunos, os educadores passaram a voltar-se aos Cs: criatividade, comunicação, colaboração e pensamento crítico (critical thinking em inglês). Um quinto C vem ganhando importância, o computational thinking. Os alunos precisam entender o papel que a tecnologia pode desempenhar e em como podem pensar de maneira diferente sobre vários datasets (conjunto de dados). Bem, mas também gosto de citar um sexto C. Em um mundo cada vez mais aberto e transparente, precisamos também desenvolver caráter. Precisamos de alunos conectados, cidadãos responsáveis do mundo, que aceitem as diferenças, lutem pelas causas que precisam lutar e usem seu talento para resolver problemas que o mundo precisa.
Grande parte das tecnologias focam na personalização do ensino ao aluno. O que você acha desse método de ensino?
Em muitos casos, personalização do ensino significa que as crianças estão aprendendo de acordo com sua performance. Mas, personalização começa com habilidades. Pense em uma típica aula de história, com cinco pessoas ouvindo o professor na sala. Cada um deles têm um entendimento diferente sobre história, gosta de uma parte diferente, se importa - ou não - com a história da nossa sociedade. Eu sei mais sobre história dos Estados Unidos, você sabe mais sobre a história do Brasil. Se a aula for dada abrindo o livro na página 1 do capítulo 1, a personalização desaparece. Aquele que não gosta de história vai ficar totalmente entediado. Essa é a dinâmica que acontece na sala de aula. A aprendizagem tradicional vai ser frustrante para os estudantes. Mas, pense bem, se eu for falar de história sob a ótica das habilidades. Dou um exemplo que ocorreu na história, discutimos qual lição podemos tirar daí e incito os alunos a pensar o que fariam naquela situação. A energia da sala muda completamente, a história torna-se mais contextual, os alunos conectam aquele novo aprendizado a suas vidas. E isso não requer nenhuma análise de dado, nenhuma tecnologia, é apenas uma maneira diferente de pensar sobre esse novo contexto de aprendizagem. Isso também é personalização.
Por falar em aprendizado “mais divertido”, muitas escolas estão investindo na gamification – e a Microsoft investe bastante nisso. É um método eficaz hoje?
Você pode falar em gamification de duas formas: uma é jogar um jogo como um sistema de motivação. Ao contrário de um projeto, você tem uma equipe e um plano. Outra diferente é criar um sistema de aprendizado baseado em jogos, quando usa um jogo para criar uma nova oportunidade. O Minecraft, por exemplo, já é utilizado em milhares de escolas para ajudar os alunos a entender geometria, artes até programação. E uma coisa que a maioria dos professores não sabe sobre o Minecraft: apenas um terço do tempo que as pessoas ficam jogando, elas estão jogando de fato. O restante, gastam colaborando, compartilhando outras ideias, pesquisando, vendo vídeos para descobrir dicas, fazendo análises sobre construção. Porque quando você joga, você percebe que não pode simplesmente sair construindo blocos porque as dimensões vão estar erradas e você vai precisar refazer tudo. Os alunos se planejam para construir. E os professores vêm isso. O que defendemos é que os alunos estejam aplicando seu aprendizado usando várias disciplinas – porque é isso que está ocorrendo no cérebro deles. O aprendizado baseado em jogo libera outros potenciais, outras formas de encarar as coisas e lidar com a realidade.
Isso implica utilizar em larga escala celulares e notebooks na sala de aula. Mas muitos professores ainda veem o celular como inimigo número 1...
O ambiente de aprendizado precisa ter um propósito de existir. Já que o conteúdo está disponível em todo lugar, a maneira como pensamos no sistema educacional precisa estar conectada ao que os alunos desejam, ao que querem fazer depois que saírem da escola. E aí a tecnologia pode ajudar como ferramenta, para os alunos criarem e compartilharem ideias. Quando você usa a tecnologia pela tecnologia, para aprender por aprender, professores podem se perguntar: por que fazemos isso? Mas quando os professores abraçam o papel que a tecnologia pode desempenhar, eles realmente entendem seu papel. Passam a usar o tempo que têm com os alunos para criar um projeto e aplicar o aprendizado em conjunto. Passar a usar a tecnologia para ter mais insights sobre a progressão dos alunos e como eles podem obter melhores resultados. Os alunos, por outro lado, trazem novas ideias, se conectam a outros alunos de outras partes do mundo. Precisamos usar a tecnologia para transformar, não apenas para automatizar a educação.
Tudo isso que você está citando considera que as escolas têm acesso à internet e podem investir em tecnologia.
Sim, é verdade. Uma das frentes que a Microsoft atua é trabalhar com operadoras para tornar a conectividade de banda larga mais disponível nas escolas – aproveitando o espectro já disponível de antenas. Outro ponto é trabalhar com parceiros para criar aquilo que chama-se de content access points. Trata-se de um ponto de acesso sem fio com um sistema opcional de distribuição de conteúdo digital. Essa interface e dispositivo de armazenamento podem ser carregados com materiais educacionais para os alunos, sem exigir acesso à Internet. Além disso, esses pontos de acesso podem ser “carregados” à noite, quando a conectividade na escola não é demandada. Precisamos ser mais espertos sobre como usamos a tecnologia em cenários de baixa conectividade.
Um professor de Gana, ficou famoso nas redes sociais, ao desenhar o Word em lousas. O que essa história representou para vocês?
O Richard – este é o nome dele - estava mostrando às crianças como usar o Word sem que eles tivessem computadores. Esse caso demonstrou que há uma aceitação geral dos professores de quererem ensinar as habilidades tecnológicas aos alunos. Há a compreensão firme de que a tecnologia é fundamental para o ambiente de trabalho deles no futuro. E o Richard – assim como vários professores no Brasil – fazem mágica para ensinar isso. Eles doam seu tempo e usam recursos que têm disponíveis porque se importam com seus estudantes. Mas, fato é que nós trouxemos o Richard para nossa comunidade global de educadores, o levamos para aprender e compartilhar sua história em Cingapura. Eu me encontrei com ele pessoalmente.
Qual é o maior desafio que o setor de educação enfrenta – é falta de investimentos (governo e empresas), de professores como o Richard ou de alunos motivados?
Na minha visão, é mudar a atitude dos estudantes. Considere por exemplo aqueles que vêm de um bairro pobre ou que vivem em uma família pobre. Nenhum deles vai para a sala de aula esperando um futuro brilhante. Bem como não creem que o mundo espera isso deles. Mas nós precisamos motivá-los, incentivá-los a desenvolver suas capacidades, mudar essa mentalidade. Também precisamos de mais professores que abracem a tecnologia e precisamos, claro, de vontade política dos países para mudar a educação. Precisamos mudar o sistema que se mantém apenas para conseguir votos na próxima eleição. A mudança que ocorrerá no Brasil não virá em cinco anos – mas em 30 anos. Eu estive com a ministra da Educação do Quênia no ano passado. Ela tinha uma foto da Coreia de 1975. Perguntei a razão da imagem estar ali, ela olhou para a foto e me disse: é assim que nosso país está hoje. Abaixou a foto, fazendo referência à Coreia atual, e então me disse: e é esse o país que vamos construir. A Coreia fez essa mudança em 30 anos – mas é algo que pode ocorrer também em qualquer lugar do mundo com planejamento no longo prazo.
"Não precisamos de tecnologias incríveis, mas de professores motivados"
Anthony Salcito, VP de Educação Global da Microsoft, defende que é preciso celebrar papel do professor diante das transformações digitais.
Essa é a quarta ou quinta de vez que Anthony Salcito visita o Brasil. Ele não tem lá muita certeza, já que todos os anos seu trabalho o leva a conhecer escolas de até quarenta países. À frente da divisão global de educação da Microsoft, Salcito é o responsável pelos projetos da companhia no setor, que incluem o uso do jogo Minecraft para ensinar disciplinas tradicionais na escola até um recente programa de tradução (em português) para professores. Mais do que produtos em si, o executivo gosta de discutir estratégia. Para ele, o setor hoje vive um dilema: ao mesmo tempo em que as escolas sentem a pressão por mudar a forma como ensinam, precisam aprender a maneira mais eficaz de "abraçar" a tecnologia na sala de aula.
Antes de se tornar VP em 2009, Salcito foi gerente geral de educação nos Estados Unidos, ajudando a lançar os programas educacionais que lutavam contra a exclusão digital do país. Também foi o responsável por criar a Microsoft School of the Future – uma parceria com a School District of Philadeplhia que visa ensinar as habilidades - tecnológicas e comportamentais - necessárias para o futuro do trabalho. No dia a dia de viagens, conversa gestores de escolas, estuda novas tecnologias, conhece professores como Richard, o ganês que ficou famoso nas redes sociais após uma foto de sua aula ser divulgada. Sem recursos ou computadores, Richard escreveu na lousa o Office para mostrar aos alunos como é um Word.
Antes de falar sobre gamification ou realidade virtual, Anthony defende que o que faz a educação ser boa - e o aprendizado eficaz - é mesmo o professor. É ele quem vai conseguir entender o papel da tecnologia, motivar alunos que já chegam às salas sem "nenhuma certeza de um futuro brilhante" ou entender quais são as habilidades necessárias para o futuro dos jovens. É ele quem também, por outro lado, precisa mudar a forma de ensinar por meio de "capítulos". E é ele quem precisa ser celebrado - para conseguir errar, criar e, assim, inovar. "Os professores são agora mais incríveis do que nunca. A oportunidade para eles inovarem - com a tecnologia - no aprendizado é muito maior agora", disse. Em entrevista, o executivo analisa o uso da tecnologia no setor, de que forma a educação pode ser transformada e como o Brasil está frente aos desafios:
Em que estágio da educação estamos hoje?
No Brasil, grande parte da mudança já foi realizada. Os estudantes já se veem diferentes, fazem conexão entre o mundo digital e físico de forma natural, usam tanto um celular quanto um livro para aprender, colaboram entre si de forma online. O aprendizado já está muito além da sala de aula. Por outro lado, o sistema educacional do Brasil, assim como de outros países, precisa reconhecer que a forma de aprender mudou e que o local de trabalho para o qual estamos preparando nossos alunos mudou. É preciso abraçar essa oportunidade de mudança. E aí o erro que vejo é que o sistema educacional sente a pressão por mudar, até quer abraçar a mudança, mas pensa: a tecnologia é que vai catalisar todas essas mudanças. “Vamos comprar um monte de tecnologia então.” Mas, muitas vezes, as escolas perdem a mão nisso.
Por que não é só uma questão de comprar tecnologia?
A forma como nós compartilhamos ideias e conhecimentos mudou e é aí que o sistema educacional precisa se adaptar. A questão toda é como criar novas experiências na sala de aula. Em países como o Brasil essa mudança vira algo negativo nas escolas, cria uma pressão em cima dos professores, eles se sentem desconfortáveis, sentem que seu papel diminuiu ou que a tecnologia ameaça seus valores e, frequentemente, seu trabalho. Mas o que aprendemos é o oposto. Os professores são agora mais incríveis do que nunca. Antes, o trabalho deles era ensinar uma lição de um capítulo de um livro didático, transmitir o conteúdo do livro para o cérebro dos alunos. Agora, a oportunidade para eles inovarem no aprendizado é muito maior. Eles podem focar no desenvolvimento das habilidades dos alunos – porque o conteúdo em si já está disponível no celular. É por estas razões que precisamos, em qualquer país, celebrar o professor, mostrar aqueles que estão buscando ensinar com novas metodologias. Se considerarmos que a educação é o motor para a prosperidade econômica, os professores são o combustível deste motor. E precisamos garantir que colocamos o melhor combustível.
De quem é o papel treinar os professores para eles inovarem e aplicarem novas metodologias?
A Microsoft já treinou mais de 10 milhões de professores na última década, online e presencial, inclusive no Brasil. Mas de forma geral, é um comprometimento que toda escola deve ter e, para isto, precisamos de bons profissionais na direção delas. De gente que estimule uma cultura onde o professor não tenha medo de errar, que esteja aberta a novas ideias, que celebre as conquistas e mudanças. A realidade é que nós não precisamos de tecnologias incríveis, nós precisamos de professores animados em inspirar estudantes e que os deixem confortáveis em usar as tecnologias. É preciso criar esse novo ambiente de aprendizado.
Quais são as habilidades que os professores precisam ensinar aos alunos?
Depois de muito tempo focado em desenvolver leitura, redação e aritmética dos alunos, os educadores passaram a voltar-se aos Cs: criatividade, comunicação, colaboração e pensamento crítico (critical thinking em inglês). Um quinto C vem ganhando importância, o computational thinking. Os alunos precisam entender o papel que a tecnologia pode desempenhar e em como podem pensar de maneira diferente sobre vários datasets (conjunto de dados). Bem, mas também gosto de citar um sexto C. Em um mundo cada vez mais aberto e transparente, precisamos também desenvolver caráter. Precisamos de alunos conectados, cidadãos responsáveis do mundo, que aceitem as diferenças, lutem pelas causas que precisam lutar e usem seu talento para resolver problemas que o mundo precisa.
Grande parte das tecnologias focam na personalização do ensino ao aluno. O que você acha desse método de ensino?
Em muitos casos, personalização do ensino significa que as crianças estão aprendendo de acordo com sua performance. Mas, personalização começa com habilidades. Pense em uma típica aula de história, com cinco pessoas ouvindo o professor na sala. Cada um deles têm um entendimento diferente sobre história, gosta de uma parte diferente, se importa - ou não - com a história da nossa sociedade. Eu sei mais sobre história dos Estados Unidos, você sabe mais sobre a história do Brasil. Se a aula for dada abrindo o livro na página 1 do capítulo 1, a personalização desaparece. Aquele que não gosta de história vai ficar totalmente entediado. Essa é a dinâmica que acontece na sala de aula. A aprendizagem tradicional vai ser frustrante para os estudantes. Mas, pense bem, se eu for falar de história sob a ótica das habilidades. Dou um exemplo que ocorreu na história, discutimos qual lição podemos tirar daí e incito os alunos a pensar o que fariam naquela situação. A energia da sala muda completamente, a história torna-se mais contextual, os alunos conectam aquele novo aprendizado a suas vidas. E isso não requer nenhuma análise de dado, nenhuma tecnologia, é apenas uma maneira diferente de pensar sobre esse novo contexto de aprendizagem. Isso também é personalização.
Por falar em aprendizado “mais divertido”, muitas escolas estão investindo na gamification – e a Microsoft investe bastante nisso. É um método eficaz hoje?
Você pode falar em gamification de duas formas: uma é jogar um jogo como um sistema de motivação. Ao contrário de um projeto, você tem uma equipe e um plano. Outra diferente é criar um sistema de aprendizado baseado em jogos, quando usa um jogo para criar uma nova oportunidade. O Minecraft, por exemplo, já é utilizado em milhares de escolas para ajudar os alunos a entender geometria, artes até programação. E uma coisa que a maioria dos professores não sabe sobre o Minecraft: apenas um terço do tempo que as pessoas ficam jogando, elas estão jogando de fato. O restante, gastam colaborando, compartilhando outras ideias, pesquisando, vendo vídeos para descobrir dicas, fazendo análises sobre construção. Porque quando você joga, você percebe que não pode simplesmente sair construindo blocos porque as dimensões vão estar erradas e você vai precisar refazer tudo. Os alunos se planejam para construir. E os professores vêm isso. O que defendemos é que os alunos estejam aplicando seu aprendizado usando várias disciplinas – porque é isso que está ocorrendo no cérebro deles. O aprendizado baseado em jogo libera outros potenciais, outras formas de encarar as coisas e lidar com a realidade.
Isso implica utilizar em larga escala celulares e notebooks na sala de aula. Mas muitos professores ainda veem o celular como inimigo número 1...
O ambiente de aprendizado precisa ter um propósito de existir. Já que o conteúdo está disponível em todo lugar, a maneira como pensamos no sistema educacional precisa estar conectada ao que os alunos desejam, ao que querem fazer depois que saírem da escola. E aí a tecnologia pode ajudar como ferramenta, para os alunos criarem e compartilharem ideias. Quando você usa a tecnologia pela tecnologia, para aprender por aprender, professores podem se perguntar: por que fazemos isso? Mas quando os professores abraçam o papel que a tecnologia pode desempenhar, eles realmente entendem seu papel. Passam a usar o tempo que têm com os alunos para criar um projeto e aplicar o aprendizado em conjunto. Passar a usar a tecnologia para ter mais insights sobre a progressão dos alunos e como eles podem obter melhores resultados. Os alunos, por outro lado, trazem novas ideias, se conectam a outros alunos de outras partes do mundo. Precisamos usar a tecnologia para transformar, não apenas para automatizar a educação.
Tudo isso que você está citando considera que as escolas têm acesso à internet e podem investir em tecnologia.
Sim, é verdade. Uma das frentes que a Microsoft atua é trabalhar com operadoras para tornar a conectividade de banda larga mais disponível nas escolas – aproveitando o espectro já disponível de antenas. Outro ponto é trabalhar com parceiros para criar aquilo que chama-se de content access points. Trata-se de um ponto de acesso sem fio com um sistema opcional de distribuição de conteúdo digital. Essa interface e dispositivo de armazenamento podem ser carregados com materiais educacionais para os alunos, sem exigir acesso à Internet. Além disso, esses pontos de acesso podem ser “carregados” à noite, quando a conectividade na escola não é demandada. Precisamos ser mais espertos sobre como usamos a tecnologia em cenários de baixa conectividade.
Um professor de Gana, ficou famoso nas redes sociais, ao desenhar o Word em lousas. O que essa história representou para vocês?
O Richard – este é o nome dele - estava mostrando às crianças como usar o Word sem que eles tivessem computadores. Esse caso demonstrou que há uma aceitação geral dos professores de quererem ensinar as habilidades tecnológicas aos alunos. Há a compreensão firme de que a tecnologia é fundamental para o ambiente de trabalho deles no futuro. E o Richard – assim como vários professores no Brasil – fazem mágica para ensinar isso. Eles doam seu tempo e usam recursos que têm disponíveis porque se importam com seus estudantes. Mas, fato é que nós trouxemos o Richard para nossa comunidade global de educadores, o levamos para aprender e compartilhar sua história em Cingapura. Eu me encontrei com ele pessoalmente.
Qual é o maior desafio que o setor de educação enfrenta – é falta de investimentos (governo e empresas), de professores como o Richard ou de alunos motivados?
Na minha visão, é mudar a atitude dos estudantes. Considere por exemplo aqueles que vêm de um bairro pobre ou que vivem em uma família pobre. Nenhum deles vai para a sala de aula esperando um futuro brilhante. Bem como não creem que o mundo espera isso deles. Mas nós precisamos motivá-los, incentivá-los a desenvolver suas capacidades, mudar essa mentalidade. Também precisamos de mais professores que abracem a tecnologia e precisamos, claro, de vontade política dos países para mudar a educação. Precisamos mudar o sistema que se mantém apenas para conseguir votos na próxima eleição. A mudança que ocorrerá no Brasil não virá em cinco anos – mas em 30 anos. Eu estive com a ministra da Educação do Quênia no ano passado. Ela tinha uma foto da Coreia de 1975. Perguntei a razão da imagem estar ali, ela olhou para a foto e me disse: é assim que nosso país está hoje. Abaixou a foto, fazendo referência à Coreia atual, e então me disse: e é esse o país que vamos construir. A Coreia fez essa mudança em 30 anos – mas é algo que pode ocorrer também em qualquer lugar do mundo com planejamento no longo prazo.
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